COMUNICADO IMPORTANTE


Informo que a Autora do Blog faleceu em 16 de Abril de 2023, e, por conta disso, este espaço não será mais atualizado, e também não haverá aprovação de novos comentários.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

... Reflexão ...


 Texto de Luis Fernando Amstalden,
 
mestre em Sociologia e doutor em Ciências Sociais.


Uma lindíssima reflexão.
Parabéns ao senhor Luis Fernando Amstalden.

Em uma manhã de domingo, 
no centro de Campinas (SP, Brasil), 
meu irmão foi abordado por um mendigo. 
Já se preparava para dizer que não tinha dinheiro 
quando o homem o interrompeu dizendo: 
- Moço, não quero dinheiro nem comida. 
Quero apenas que você fale um pouco comigo. 
Ninguém conversa comigo e é como se eu não existisse. 

Um amigo meu, seguidor do Zen Budismo, 
fez uma experiência radical. 
Viveu uma semana como sem teto 
em Florianópolis  (Sta. Catarina, Brasil). 
Ele relata que duas coisas o marcaram: 
o frio das ruas a noite, mesmo não sendo inverno. 
e o fato das pessoas não falarem e mesmo olharem para ele. 
Em um dia, foi pedir uma informação para uma mulher 
e ela disse rispidamente: 
- Não fale comigo, mendigo! 

“Mendigo”, “andarilho”, “vagabundo” 
ou politicamente mais correto, “morador de rua” e “sem teto”, 
todos são a nossos olhos, invisíveis. 
E são porque não queremos vê-los, 
não querermos que eles existam. 
E no entanto eles existem. 
Estão às nossas vistas o tempo todo 
e nos incomodam com seus pedidos, suas lamúrias, 
suas eventuais mentiras e sua aparência. 
Nos incomodam com sua falta de perspectiva, sua vida precária, 
suas doenças e fragilidades. 
E nós não queremos que eles existam por isto tudo. 
Porque eles nos incomodam, enfeiam nossas cidades, 
poluem nossa vista, lembram a fragilidade humana 
que também é a nossa. 
Não, eles não são bonzinhos. 
Muitos se drogam, outros bebem, 
outros ainda têm doenças mentais. 
São feios, sujos e incômodos. 
Mas são humanos, tão humanos quanto eu e você e sofrem. 
Em algum momento, assim como pode acontecer comigo 
ou com você, eles “caíram” e foram parar nas ruas. 
Não acredito que eles estejam ali porque querem. 
Você iria querer? 
Claro, existem aqueles que são “profissionais”,
 tem casa e as vezes até carro. 
Eu já fui “vítima” da enganação de alguns assim. 
Mas estes não são a maioria dos que estão nas ruas. 
São oportunistas desprezíveis 
e não podem ser comparados com os que realmente 
não tem para onde ir e nem encontram mais caminhos. 
Quem de fato está nas ruas por não ter para onde ir, 
sofre sim, e muito. 
Sofre talvez mais por ser “invisível”, indesejável. 
Por ninguém sequer olhar ou falar com eles, 
assim como relataram meu irmão e meu amigo.
E diante deste sofrimento, temos que escolher 
quais são, de fato, nossos valores e caminhos. 
Podemos optar por considera-los apenas um incômodo e, 
talvez, apoiar a destruição de lugares onde eles possam pernoitar, como a proposta do vereador de Piracicaba (SP, Brasil) 
de destruir um coreto onde eles dormem. 
Desta forma, quem sabe, eles sumam de nossas vistas. 
Podemos ir além, podemos considera-los “culpados” 
pela sua própria condição, 
ignorando que ninguém tem o controle total de sua vida. 
Se pensarmos assim, então fica tudo mais fácil. 
Eles estão ali porque “merecem”. 
Por serem “preguiçosos”, “bêbados”, “parasitas”. 
Se adotamos esta visão, 
talvez possamos chegar à solução radical dos nazistas 
e eliminá-los. 
Recentemente ouvi alguém defendendo isto, 
que o “governo deveria matar todos”.
E podemos, também e finalmente, 
buscar uma outra forma de trata-los, 
uma forma que demonstre outro valor em nossa sociedade. 
Podemos tentar entender que eles sofrem, assim como nós. 
E que não são perfeitos, como também não somos. 
Podemos buscar soluções, não sozinhos, 
mas em grupo, em sociedade e ouvindo a eles também. 
Aliás, esta talvez seja uma das necessidades fundamentais, 
ouvi-los, falar com eles, demonstrar a eles e a nós mesmos 
que eles são seres humanos e que compartilham 
o mesmo destino que nos. 
A partir daí podemos encontrar soluções, 
acolhe-los. 
Tudo se inicia de um valor assumido 
e depois do diálogo e da vontade. 
A mim parece que, se assumirmos esta última forma de agir, 
este valor que preza e cuida da vida, 
estaremos fazendo mais do que ajudar a algumas pessoas, 
estaremos ajudando nosso mundo a ser outro. 
Não, não é fácil, mas é um caminho necessário. 
Mas você pode achar que não. 
Então, faça sua escolha e tenha claro quem você realmente é.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário