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terça-feira, 21 de julho de 2020

... Passeio Socrático ...




Mensagem de Frei Betto ( Alberto Libânio Christo).
Frei Betto, religioso dominicano brasileiro,
  adepto da Teologia da Libertação,
é autor de 53 livros editados no brasil e exterior.


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Passeio Socrático

Ao viajar pelo Oriente, 
mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, 
do Japão e da China. 
Eram homens serenos, comedidos, 
recolhidos em paz nos seus mantos cor de açafrão.




Outro dia, eu observava o movimento 
do aeroporto de São Paulo:
 a sala de espera lotada.
 Executivos dependurados em telefones celulares; 
mostravam-se preocupados, ansiosos e, 
na lanchonete, comiam mais do que deviam.
Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa,
 mas como a companhia aérea oferecia um outro café, 
muitos demonstravam um apetite voraz.

Aquilo me fez refletir: 
Qual dos dois modelos produz felicidade?
 O dos monges ou o dos executivos?

Encontrei Daniela, uma menina de  10 anos, 
no elevador, às nove da manhã, 
e perguntei:
- Não foi à aula? 
Ela respondeu: 
- Não, minha aula é à tarde.
Comemorando disse: 
- Que bom, então de manhã você pode brincar, 
dormir um pouco mais. 
 Ela retrucou: 
- Não posso, tenho tanta coisa de manhã...
Perguntei entao: 
- Que tanta coisa? 
- Aulas de inglês, balé, pintura, piscina, 
e começou a elencar 
seu programa de garota robotizada. 
Fiquei pensando:💭
Que pena, 
a Daniela não disse, que tem aula de meditação.

A sociedade na qual vivemos 
constrói super homens e super mulheres, 
totalmente equipados,
 mas muitos são emocionalmente infantilizados. 
Por isso as empresas consideram que, agora, 
mais importante que o QI (Quociente Intelectual), 
é a IE (Inteligência Emocional). 
Não adianta ser um super executivo 
se não se consegue se relacionar com as pessoas.
Ora, como seria importante os currículos escolares 
incluírem aulas de meditação!

Uma próspera cidade 
do interior de São Paulo tinha, em 1960, 
seis livrarias e uma academia de ginástica.
 Hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias!
Não tenho nada contra malhar o corpo, 
mas me preocupo com a desproporção 
em relação à malhação do espírito. 
Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos.
- Como estava o defunto?
- Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!
Mas como fica a questão da subjetividade? 
Da espiritualidade? 
Da ociosidade amorosa?

Outrora, falava-se em realidade.
 Análise da realidade, inserir-se na realidade,
 conhecer a realidade. 
Hoje, a palavra é virtualidade. 
Tudo é virtual. 
Pode-se fazer sexo virtual pela internet,
 não se pega aids, não há envolvimento emocional, 
controla-se no mouse. 
Trancado em seu quarto, em Brasília, 
um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio,
 sem nenhuma preocupação 
de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! 
Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores,
 não há compromisso com o real! 

É muito grave 
esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos. 
Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. 
Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, 
pois somos também eticamente virtuais…
A cultura começa onde a natureza termina. 
Cultura é o refinamento do espírito.
Televisão, no Brasil,  com raras e honrosas exceções ,
 é um problema.
 A cada semana que passa, temos a sensação 
de que ficamos um pouco menos cultos. 
A palavra hoje é ‘entretenimento’.
 Domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. 
Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá 
e se apresenta no palco,
 imbecil quem perde a tarde diante da tela.
Como a publicidade não consegue vender felicidade, 
passa a ilusão de que felicidade 
é o resultado da soma de prazeres.
"Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,
usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” 
O problema é que, em geral, não se chega! 
Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, 
que acaba precisando de um analista.
 Ou de remédios. 
Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer 
com o desejo dos seus pacientes. 
Colocá-los onde? 
Eu, que não sou da área, 
posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. 
Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. 
Porque, para fora, ele não tem aonde ir! 
O grande desafio é virar o desejo para dentro, 
gostar de si mesmo, 
começar a ver o quanto é bom ser livre 
de todo esse condicionamento globocolonizador, 
neoliberal, consumista.
 Assim, pode-se viver melhor. 
Aliás, para uma boa saúde mental 
três requisitos são indispensáveis: 
amizades, auto estima, ausência de estresse.

 Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. 
Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade 
onde há uma catedral, 
deve procurar saber a história daquela cidade.
 A catedral é o sinal de que ela tem história. 
Na Idade Média, as cidades adquiriam status 
construindo uma catedral. 
Hoje, no Brasil, constrói-se shopping centers.
É curioso: a maioria dos shopping centers
 tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas. 
Neles não se pode ir de qualquer maneira, 
é preciso vestir roupa de missa de domingo. 
E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca. 
Não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros 
ao som do gregoriano pós-moderno, 
aquela musiquinha de esperar dentista. 
Observam-se os vários nichos,
 todas aquelas capelas 
com os veneráveis objetos de consumo, 
acolitados por belas sacerdotisas.
 Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. 
Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, 
entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. 
Mas se não pode comprar, 
certamente vai se sentir no inferno...
 Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna,
 irmanados na mesma mesa, 
com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer 
de uma cadeia transnacional 
de sanduíches saturados de gordura…

Costumo advertir os balconistas 
que me cercam à porta das lojas, dizendo: 
- Estou apenas fazendo um Passeio Socrático
Diante de seus olhares espantados, explico: 
- Sócrates, filósofo grego, 
que morreu no ano 399 antes de Cristo, 
também gostava de descansar a cabeça 
percorrendo o centro comercial de Atenas. 
Quando vendedores como vocês o assediavam, 
ele respondia: 
- Estou apenas observando quanta coisa existe 
de que não preciso para ser feliz.



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