Texto de Francicarlos Diniz
(jornalista e escritor, pós-graduado em Comunicação pela USP)
A palavra "coisa" é um bombril do idioma.
Tem mil e uma utilidades.
É aquele tipo de termo-muleta ao qual recorremos
sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia.
"Coisas" do português.
Gramaticalmente, "coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo:
o Houaiss (dicionário) registra a forma "coisificar".
E no Nordeste há "coisar":
Ô, seu "coisinha", você já "coisou" aquela coisa
que eu mandei você "coisar"?
Na Paraíba e em Pernambuco,
"coisa" também é cigarro de maconha.
Em Olinda, o bloco carnavalesco Segura a Coisa
tem um baseado como símbolo em seu estandarte.
Alceu Valença canta:
Segura a "coisa" com muito cuidado / Que eu chego já."
Já em Minas Gerais ,
todas as coisas são chamadas de trem
(menos o trem, que lá é chamado de "coisa").
A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trens que lá vem a "coisa"!.
E no Rio de Janeiro?
Olha que "coisa" mais linda, mais cheia de graça...
A garota de Ipanema era coisa de fechar o trânsito!
Mas se ela voltar, se ela voltar, que "coisa" linda, que "coisa" louca. Coisas de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas.
Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino.
Coisa-ruim é o capeta.
Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim!
Coisa também não tem tamanho.
Na boca dos exagerados,
"coisa nenhuma" vira um monte de coisas...
Mas a "coisa" tem história mesmo é na MPB.
No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966,
a coisa estava na letra das duas vencedoras:
Disparada, de Geraldo Vandré:
Prepare seu coração pras "coisas" que eu vou contar...,
e A Banda, de Chico Buarque:
pra ver a banda passar, cantando "coisas" de amor...
Naquele ano do festival, no entanto,
a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva).
E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas:
“coisa" linda, "coisa" que eu adoro!
Para Maria Bethânia,
o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade afinal,
são tantas "coisinhas" miúdas.
E esse papo já tá qualquer "coisa".
Já qualquer "coisa" doida dentro mexe...
Essa coisa doida é um trecho da música
"Qualquer Coisa", de Caetano, que também canta:
alguma "coisa" está fora da ordem!
e o famoso hino a São Paulo:
"alguma coisa acontece no meu coração"!
Por essas e por outras,
é preciso colocar cada coisa no devido lugar.
Uma coisa de cada vez, é claro, afinal,
uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa.
E tal e coisa, e coisa e tal.
Um cara cheio de coisas é o indivíduo chato,
pleno de não-me-toques.
Já uma cara cheio das coisas, vive dando risada.
Gente fina é outra coisa.
Para o pobre, a coisa está sempre feia:
o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A coisa pública não funciona no Brasil.
Político, quando está na oposição, é uma coisa,
mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura.
Quando elege seu candidato de confiança, o eleitor pensa:
Agora a "coisa" vai... Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma.
Uma coisa é falar; outra é fazer.
Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!
Se as pessoas foram feitas para serem amadas,
e as coisas, para serem usadas,
por que então nós amamos tanto as coisas
e usamos tanto as pessoas?
Bote uma coisa na cabeça:
as melhores coisas da vida não são coisas.
Há coisas que o dinheiro não compra:
paz, saúde, alegria e outras coisitas mais.
Mas, deixemos de "coisa", cuidemos da vida,
senão chega a morte, ou "coisa" parecida...
Por isso, faça a coisa certa
e não esqueça o grande mandamento:
"Amarás a DEUS sobre todas as coisas".
Nenhum comentário:
Postar um comentário