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quarta-feira, 19 de agosto de 2020

... Apólogo ...







Após o chá da tarde, sobre a mesa da varanda, 
a Xícara e o Bule começaram a conversar.


A Xícara muito vaidosa, disse para o Bule:
- Ah... eu sou a mais bela peça da copa!
 O Bule respondeu:
- Tu? Ora essa!
Indignada a Xícara retrucou:
- Sim! Sou a mais bela peça, 
e a mais importante também! 
Com ironia o Bule falou:
- É mesmo? 
Zangada a Xícara disse:
- Podes rir, Bule velho!
E o Bule que ainda tinha um pouco de chá,
amigavelmente falou:
- Ora, não me leve a mal. 
Tu sabes que eu gosto muito de ti.

Mas a Xícara, ignorando o Bule, 
continuou a discorrer amorosamente 
sobre as suas qualidades admiráveis:
- Pois então. 
É a mim que os senhores levam à boca, 
todos os dias, e me cobrem de beijos 
enquanto bebem o chá. 
Sou feita de porcelana delicada, 
com belas florzinhas pintadas de dourado, 
que refletem a luz e brilham como num sonho. 
Não é qualquer um da casa que pode me tocar.

O Bule, muito sensato, tentou transmitir uma lição:
 - Minha amiga, o que realmente importa é o nosso destino. 
O que disseste sobre tuas florzinhas é somente vaidade, 
mas ir à boca dos senhores é o teu dever. 
E sou eu que fervo a água e preparo o chá no meu interior, 
o qual é servido por ti. 
Tal é o meu destino. 
Tu percebes que nós dois, juntos, 
temos cada um a sua importância e sentido na vida?
A Xícara riu, e disse com desprezo:
- Oh, sim! 
Então não sou diferente 
dos copos de vidro grosseiro 
que as crianças usam para beber? 
Escuta, filósofo, serei franca contigo: 
- Tu tens inveja...
Disse o Bule:
 Inveja???... Eu ??? ...
Respondeu a Xícara:
- Sim. pois eu estou sempre cheirosa e doce, 
e tu tens cheiro de bule velho e borra de chá. 
Lavam-me cuidadosamente, 
e guardam-me no armário de vidro, 
junto com as louças finas e os cristais,
para embelezar a casa.
 Enquanto tu és lavado com palha de aço 
e te escondem debaixo da pia, para que não te vejam. 
Sou estimada, e quanto mais velha eu me torno, 
mais valiosa fico. 
E tu? 
És velho, manchado, cheio de amassadinhos, 
e és feito de metal...
O Bule ia responder alguma coisa, porém desistiu. 
Como poderia argumentar 
com uma Xícara vaidosa e pretensiosa?
Nesse momento o gato da casa, inesperadamente, 
pulou em cima da mesa da varanda tentando caçar um besouro. 
O gato foi tão rápido e desastrado 
que nem escutou os gritos do  Bule e da Xícara:
- Cuidado !!!
Mas era tarde demais, e os dois caíram no chão.
 O Bule, que tinha uma base pesada, 
caiu e rodou como um pião, ficando em pé quando parou. 
E a bela Xícara, pobrezinha, 
espatifou-se no chão da varanda.
Uma lágrima de chá 
deslizou suavemente pela fronte do Bule, 
enquanto observava a pequena luz de vida que aos poucos desaparecia dos caquinhos de porcelana.
 Entristecido o Bule murmurou:
 Minha querida Xícara você escarneceu dos meus amassadinhos.
Mas eles são as marcas da experiência, 
dos muitos tombos que levei na vida...
E a soberba Xícara, definhando, respondeu num fio de voz:
- Sem essa, convencido! 
Se não fosse o meu fim, tu não terias a oportunidade 
de ficar aí, fazendo pose de sábio!...



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