( Martha Medeiros)
No mural do colégio da minha filha
encontrei um cartaz escrito por uma mãe,
avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa,
pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos.
O cartaz dava o endereço do bazar
e o horário de atendimento.
Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não. Já passei por isso e é uma lição de vida!
Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil,
trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros
e uns tapetes.
O resto vendi tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som,
tudo o que compõe uma casa.
Como eu não conhecia muita gente na cidade,
meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho
e esperamos sentados que alguém aparecesse.
Sentados no chão.
O sofá foi o primeiro que se foi.
Às vezes o interfone tocava às 11 da noite
e era alguém que tinha ouvido comentar
que ali estava se vendendo uma estante.
Eu convidava pra subir e em dez minutos
negociávamos um belo desconto.
Além disso, eu sempre dava
um abridor de vinho ou um saleiro de brinde,
e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas.
Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa
e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu,
mais sem alma.
No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão,
No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão,
a geladeira e a tevê.
No último, só com o colchão,
que o zelador comprou e, compreensivo,
topou esperar a gente ir embora antes de buscar.
Ganhou de brinde os travesseiros.
Guardo esses últimos dias no Chile
Guardo esses últimos dias no Chile
como o momento da minha vida em que aprendi
a irrelevância de quase tudo o que é material.
Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo excessivo
por coisas que foram feitas apenas para se usar,
e não para se amar.
Hoje me desfaço com facilidade de objetos,
Hoje me desfaço com facilidade de objetos,
enquanto que torna-se cada vez mais difícil
me afastar de pessoas que são ou foram importantes,
não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida. Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas
para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que tive
na minha última noite no Chile.
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha,
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha,
que na época tinha dois anos de idade.
As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio.
Ao acordarmos, uma vizinha simpática
nos ofereceu o café da manhã,
já que não tínhamos nem uma xícara em casa.
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido,
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido,
levando as emoções todas:
nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.
Não pagamos excesso de bagagem
e chegamos aqui com outro tipo de leveza.
Só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir.
Vamos refletir
e começar a trabalhar o DESAPEGO ... já!
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